13 de agosto de 2016

Feiras livres (13)

Por Clênio Sierra de Alcântara


Fotos: do autor


Afogados (Recife-PE). Locais de intenso convívio social, as feiras livres nordestinas vêm, ao longo dos anos, passando por significativas transformações no que diz respeito não só à sua configuração espacial propriamente dita, mas também no modo como os produtos podem e devem ser oferecidos às pessoas que vão à sua procura.

Em que pese uma, digamos, preocupação e um cuidado para com a higiene e a qualidade das mercadorias postas à venda – e também suas procedências, claro -, um fato inegável que se verifica nas políticas de ordenamento das feiras livres impostas pela Municipalidade é que esses espaços de comércio tão tradicionais não só no Nordeste bem como em praticamente todo o país, estão rapidamente sendo destituídos de suas características primitivas que, até onde se sabe, nunca foram motivo de convulsões sociais.



Olha o metrô passando










O disciplinamento que está sendo levado a cabo, por exemplo, no Recife, com sua proposta de desocupar ruas e calçadas liberando-as para veículos e pedestres, como realmente tem que ser, porque o ordenamento do espaço urbano deve ter um cuidado permanente, por outro lado está transformando as feiras livres em quase mercados públicos, colocando-as em galpões e áreas cobertas e determinando tipo e forma de tabuleiros, padronizando completamente uma modalidade de comércio que, em essência, sempre foi marcado pela diversidade na forma de acomodação das mercadorias e acontecia – como em muitos lugares ainda acontece – em pátios e áreas outras realmente livres e sem delimitação de muros, grades e paredes. Uma coisa é promover eficazmente a limpeza desses locais, garantir o fornecimento correto e legal de água e energia para os feirantes e fiscalizar o comércio com vistas a flagrar produtos com data de validade vencida, carnes sem certificação de origem, etc.; outra, totalmente diferente, é descaracterizar as feiras livres impondo a elas regras que as transformem numa espécie de  grande quitanda.












No dia 15 de julho passado eu fui, em companhia do meu amigo João Murilo, conhecer a feira livre do bairro de Afogados, na Zona Oeste do Recife. Situada ao mesmo tempo à margem de uma autopista movimentadíssima – a Estrada dos Remédios – e de uma linha férrea, a feira livre de Afogados causa uma impressão ruim ao visitante logo de cara, porque sua entrada, a fachada que a Municipalidade ergueu ali, está desbotando. A própria proposta de demarcar o perímetro da feira com grades e anunciá-la com um letreiro numa fachada por si só diz muito do quanto o poder público municipal buscou conceber um ambiente "controlado" e "certinho". Mas já não é tanto disso o que se verifica lá. A feira faz tempo que deixou de caber no perímetro estabelecido pela Prefeitura Municipal; e se espalhou pelas calçadas e pela Rua do Acre, uma das transversais da via expressa, ao lado do imenso mercado público que, diga-se de passagem, possui boxes bem estruturados e organizados. Além disso, sob uma cobertura de alumínio que se deteriora a olhos vistos, percorre-se a área da feira numa atmosfera sombria que nada tem a ver com as típicas feiras livres nordestinas, que são invadidas pelo sol, um sol másculo que parece ser o responsável por mantê-las borbulhantes e vivas.














Percorri várias das “ruas” formadas pelo ajuntamento dos bancos que são instalados de modo fixo. O comércio de frutas, verduras e legumes convive com bancos que ofertam especiarias, temperos, ovos, animais vivos acondicionados em gaiolas, coco seco, farinha, goma e massa de mandioca, mealheiros e toda sorte de coisas coloridas e variadas que aguçam principalmente a nossa visão e o nosso olfato e que revelam a natureza mesma de uma feira livre. Não deixei de notar também o grau de degradação em que o espaço se encontrava e a sujeira e a fedentina que, não duvido, devem ter afastado velhos frequentadores daquele lugar.



João Murilo, o cidadão do mundo



















Conversei um pouco com Luciene Bezerra, uma comerciante de 42 anos bastante articulada e atuante na busca pela reorganização e revitalização da feira. Luciene é filha de feirantes e conhece muito bem a dinâmica daquilo lá. Em sua banca de frutas ela me contou que vários dos feirantes que foram para a Rua do Acre venderam os espaços que tinham na área gradeada; que, primitivamente, a feira ocupava todo o terreno onde hoje existe o mercado público; e que a configuração da feira atual é obra do governo de Jarbas Vasconcelos. Ela me disse também que esteve em reunião com João Braga, secretário municipal de Mobilidade e Controle Urbano; e que tomou conhecimento da existência de um projeto de revitalização da feira na Prefeitura orçado em R$ 7.000.000.00 (sete milhões) que, devido à atual crise econômica que assola o país, ninguém sabe quando sairá do papel. E desabafou: “A feira está abandonada. A Prefeitura não está limpando nada. Até para limpar o banheiro a gente é quem paga”.


























Com seus diferentes tipos de bancos e tabuleiros, a feira livre que por ora ocupa a Rua do Acre de algum modo ainda conserva um quê das feiras livres de trinta, quarenta anos atrás que existiam em praticamente toda a Região Metropolitana do Recife, por não estar presa a um esquema delimitador de sua existência. Posicionada entre o mercado público e um supermercado, essa feira sobrevive como demonstração de que muita gente continua tendo predileção por esse tipo de comércio.







Eu num registro feito pelo João Murilo














Mercado público




A partir desta foto os flagrantes foram todos feitos na Rua do Acre




































Daqui em diante mais fotos da avenida e da entrada da feira "gradeada"




Acima desses telhados pode ser vista a linha férrea









A sistemática vaga de estandardização que avança sobre todos os aspectos de nossas vidas, também está se impondo no modo de existir das feiras livres. Ao impor uma padronização até mesmo no que diz respeito à ocupação espacial e à maneira que os produtos devem ser expostos à venda, as Municipalidades estão rapidamente pondo fim a saberes tradicionais e a tipos de comportamentos e vivência que são um dos aspectos mais atrativos das feiras livres.


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